Na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) orientou uma criança a tirar a máscara e abaixou a de outra durante sua visita ao Rio Grande do Norte, um estudo da Science comprovou a eficácia deste equipamento de proteção individual (EPI) como forma de minimizar a transmissão do coronavírus. A pesquisa, publicada na sexta-feira e realizada por cientistas da Alemanha, China e Estados Unidos, demonstrou que tanto as máscaras cirúrgicas quanto as de alta filtragem, como a N95 e PFF2, conseguem diminuir o risco de contaminação pelo Sars-CoV-2.
"Descobrimos que a maioria dos ambientes e contatos estão em condições de baixa abundância de vírus (com limitação de vírus), onde as máscaras cirúrgicas são eficazes na prevenção da disseminação do vírus. Máscaras mais avançadas e outros equipamentos de proteção são necessários em ambientes internos potencialmente ricos em vírus, incluindo centros médicos e hospitais", descrevem os cientistas no estudo.
Desde o começo da pandemia, Bolsonaro tem um histórico de recusa ao uso de máscaras. Ele já protagonizou outras cenas de aglomeração sem o uso do item de proteção, sendo multado no Maranhão e em São Paulo por conta destas condutas contrárias às regras estabelecidas para diminuir a transmissão do coronavírus. O episódio envolvendo as duas crianças foi repudiado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que cobrou "exemplo do Presidente da República”.
“A poucos dias da celebração dos 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Brasil se depara com caso de afronta ao dever de proteção a esse segmento da população e desrespeito à Lei”, diz a nota da SBP.
— O mais preocupante deste tipo de atitude é que gera uma confusão na população, porque o presidente desmoraliza prefeitos e governadores que estão tentando aumentar o uso da máscara. Além do mais, este tipo de atitude faz com que as pessoas que ainda confiam nele assumam um risco muito maior — diz Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont e membro do Observatório Covid-19 BR.
O objetivo do estudo era entender por que alguns trabalhos demonstravam a eficácia do uso da máscara na diminuição da transmissão do Sars-CoV-2 enquanto outros concluíam o contrário. Os resultados desta nova pesquisa mostraram que a eficácia da máscara depende de sua capacidade de filtração e do quão rico em coronavírus é o ambiente que a pessoa está inserida.
As amostras de ar analisadas pelos cientistas demonstraram que, de modo geral, a maior parte dos ambientes possui um nível baixo de partículas que contém o coronavírus e, por isso, as máscaras cirúrgicas teriam uma boa eficácia para diminuir o risco de contaminação. Mas isso não dispensaria a necessidade de estar em um local bem ventilado e mantendo o distanciamento social.
"Quando as pessoas veem imagens ou vídeos de milhões de partículas respiratórias exaladas ao falar ou tossir, podem temer que máscaras simples com eficiência de filtração limitada (por exemplo, 30% a 70%) não possam realmente protegê-las da inalação dessas partículas. No entanto, como apenas algumas partículas respiratórias contêm vírus e a maioria dos ambientes está em um regime limitado de vírus, o uso de máscaras pode manter o número de vírus inalados em um nível baixo e pode explicar a eficácia observada das máscaras faciais na prevenção da propagação da Covid-19", afirmam os cientistas no estudo.
Em contrapartida, nos ambientes internos ricos em coronavírus, como hospitais que tratam pacientes com a Covid-19, faz-se necessário o uso de máscaras mais filtrantes, como as do modelo N95/PFF2. No entanto, como há muita concentração de vírus, é preciso complementar a proteção adotando outras medidas, como o distanciamento social e ventilação eficiente.
"Por exemplo, a ventilação pode alterar um ambiente de condições ricas em vírus para condições limitadas por vírus, o que pode ser particularmente importante para centros médicos com abundância de Sars-CoV-2 relativamente alta", explicam os pesquisadores.
— O interessante desse estudo é que ele não está baseado em uma questão binária se a máscara funciona ou não, mas demonstra quais medidas são mais eficazes para cada tipo de ambiente. E esta pesquisa reforça as duas principais funções da máscara, que é proteger quem está usando e proteger as outras pessoas ao redor — diz Mori.
O estudo analisou os cenários de proteção quando as máscaras são usadas só por pessoas infectadas, só por não infectadas ou por todos. O maior nível de proteção foi observado quando todos usam o item, seguido por quando só os infectados utilizam e, por último, quando os não contaminados usam a máscara. Isso ocorre porque as máscaras — tanto as cirúrgicas quanto as PFF2 — conseguem filtrar bem as grandes partículas que saem do nariz e a boca e carregam a maior carga viral. Já as partículas aerossóis (que ficam mais tempo suspensas no ar) só são bloqueadas pelos modelos N95/PFF2. Por isso, quanto maior a adesão da população ao uso do equipamento de proteção, menores são os riscos de contaminação.